Os dezesseis segundos definitivos da Fonte Nova completam nesta segunda-feira, 29, um ano de contagem iniciada. Pelo poder de 700 quilos de dinamite, o anel superior foi abaixo. O estrondo de 134 decibéis foi o último barulho ouvido com o estádio ainda de pé.
Faz um ano que a presença material da Fonte Nova se resume a fragmentos de dimensão centimetrada guardados por saudosistas. Em completo estado bruto, algumas peças destinadas a virar entulho mudaram-se para centro de mesas ou outras áreas nobres de casas particulares. Intocáveis, transformaram-se em verdadeiros amuletos.
Os torcedores de melhor condição financeira ainda conseguem adquirir lembrança do concreto original da antiga Fonte. Em redoma de acrílico e com o emblema da nova arena, sai por R$ 39, via web, e com entrega em domicílio.
Impossível conter a metáfora. Espaço democrático na cidade desde a inauguração (quando estreou sem estar completamente pronta), em 28 de janeiro de 1951, a Fonte Nova manteve uma aura capaz de invejar até o mais irredutível dos marxistas.
Até ser interditada, em novembro de 2007, por um acidente que vitimou sete torcedores, a praça era conhecida por acolher classes sociais diferentes em suas arquibancadas. Espírito que parece ter sido conservado até na repartição de suas lembranças rochosas.
“A facilidade do acesso permitiu a democratização. Desde quando foi concebido, o estádio possibilitava que as pessoas chegassem a pé até ele, de todos os pontos da cidade. Só quem morava em Itapagipe precisava de transporte. O professor Diogénes Rebouças (arquiteto que projetou a Fonte Nova) teve essa preocupação”, diz Maria do Socorro, professora aposentada da escola de arquitetura da UFBA.
“Não pude pegar meu torrão de pedra. Poxa... queria tanto ter um pedacinho para guardar aqui comigo”. Aos 89 anos, Dona Geir rompe o discurso acadêmico para lamentar sua própria sorte: “estava adoentada na época e nem pude me despedir da Fonte”.
Torcedora do Bahia, a ex-cozinheira viveu dias doces tendo a arena como cenário de sua história. Justo em 1951, mudava-se, já casada, de São Francisco do Conde para Salvador. O ano coincide com a fundação do Octávio Mangabeira.
“Demorei um pouco para ir, mas depois passei a frequentar todos os jogos. Era uma das melhores coisas que tinham aqui na cidade. Meu marido não gostava de futebol, mas eu ia sem ele. Nos dias de jogos, a cidade era uma festa”, lembra Dona Geir.
Anos mais à frente, com o nascimento dos filhos, a mulher independente foi batizando, tal qual um Rio Jordão, os moleques na catequese do estádio.
Com um punhado de tempo, já tinha formado seus discípulos. “Tive oito filhos, seis homens. Todos me acompanhavam nos jogos. Quando acabava, eu saía das partidas radiante, gritando, xingando os adversários... Ninguém mexia comigo por causa dos meninos”, recorda-se a senhora, romântica. Suas feições, tão próximas de uma Dona Benta um pouco mais vivida, dificultam visualizar uma boca vazando de impropérios como dizia fazer.
“Menino, não se engane. Eu era terrível”, resume.
O mundo mudou... - Torcedor do Bahia, Pedro Carneiro, de seis anos, nunca esteve na Fonte Nova. Quando tinha dois, o estádio foi interditado. E registrava cinco quando houve a implosão. Fatos dos quais pouco se lembra. Guiado pela mãe, Raquel, os seus domingos têm sido em Pituaçu.
Ajudado pelo pai, desenhou a sua versão da Fonte. “Sei lá, acho que devia ser grande. Dizem que era muito maior do que Pituaçu... ”, imagina.
Quando o segundo anel do estádio começou a ser erguido, em 1971, a casa onde moravam os bisavós de Pedro precisou ser demolida. Como homenagem, sempre que iam aos jogos seu pai sentava aproximadamente na mesma posição onde ficava a antiga residência da família. Peu também quer sentar lá, dentro de dois anos.
O mesmo tempo para Dona Geir parece uma eternidade. “Queria ir lá uma última vez. Meus filhos me dizem que vou alcançar o novo estádio, mas não tenho tanta certeza disso..”, fecha os olhos e suspira.
Já faz um ano, porém, a impressão é de que só se passaram dezesseis segundos.
Com informações do A Tarde.
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