quarta-feira, 25 de abril de 2012

Livro de psicanalista destrincha personagens de Woody Allen

JORNAL O GLOBO
Francês Éric Vartzbed faz estudo sobre padrões psicanalíticos construídos pelo diretor
‘Como Woody Allen pode mudar sua vida’ faz estudo sobre padrões psicanalíticos construídos pelo diretorReprodução
RIO - Assim que saiu do cinema numa noite em 1988, o psicanalista e doutor em Psicologia francês Éric Vartzbed teve uma epifania. Acabara de assistir a "A outra", de Woody Allen, e foi inundado pela sensação de estar atormentado. Segundo ele, o filme o fez confrontar dificuldades pessoais complexas. A experiência foi tão forte que, 24 anos depois, Vartzbed escreveu o livro "Como Woody Allen pode mudar sua vida", que a Nova Fronteira lança neste mês, e que faz um estudo psicológico dos personagens e do peculiar humor do diretor nova-iorquino ao longo de sua filmografia.
— Alguns filmes de Woody Allen atuam sobre mim como espelhos ou campainhas. Muitos me disseram o estágio em que eu estava da vida e o que eu precisava mudar nela — conta Vartzbed. — Sou muito sensível ao humor de Woody. De origem armênia, já ouvi diversas vezes a piada a respeito do nosso povo: "Nosso passado é triste, nosso presente é catastrófico. Felizmente, não temos futuro." Eu amo essa habilidade alleniana de rir de sua desgraça.
Engana-se quem pensa que "Como Woody Allen pode mudar sua vida" é um livro de autoajuda. Apesar do título, a obra é justamente uma paródia do filão milionário que inunda há décadas as livrarias. A ideia do nome veio do longa "Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo e tinha medo de perguntar" (1972), uma ironia do diretor com um livro homônimo lançado na época.
Dividido em dois capítulos de base, em que o autor conta como o cineasta mudou sua vida e, depois, como ele pode mudar a do leitor, o livro é fragmentado em dez partes que satirizam o gênero que consagrou Lair Ribeiro, entre elas "Como arruinar a sua vida amorosa?", "Como não nos tornarmos o que somos?", "Como fugir da realidade?" e "Como prosperar graças ao crime?".
— Com esses títulos, quis claramente fazer uma ironia. Mas quis mostrar que, apesar das sequências tragicômicas e pessimistas que Woody narra em seus filmes, por exemplo, é possível aprender muitas coisas. E, como diz Sartre, conhecer é se transformar.
No lugar de respostas para as perguntas que lança em seus subtítulos, o autor destrincha arquétipos e padrões psicanalíticos construídos pelo diretor e coloca seus personagens no divã, como no trecho em que fala da relação deles com o amor: "Em ‘Manhattan’, o quarentão Isaac luta contra o fascínio pela adolescente Tracy, de 17 anos. Apesar das bravatas, ele sempre volta a ser presa do mal-estar causado pela idade da moça. Indícios sugerem que a atração dele por Mary, uma mulher de sua idade, é motivada pela necessidade de aplacar o remorso que sente. (...) Já em ‘Hannah e suas irmãs’, sucede o mesmo com Elliot, personagem de Michael Caine, que deseja ardentemente a cunhada, uma mulher tabu. (...) Essas dificuldades amorosas também remetem a uma forma de masoquismo, a uma dívida inconsciente, à necessidade de sofrer para se sentir autorizado a desejar".
— Um filme não pode substituir uma cura. Ele não é substituto de uma sessão de análise — sublinha o psicanalista. — Mas o cinema e a psicanálise têm muito em comum. Começando pelo ano de nascimento de ambos, que é o mesmo: 1895. Um filme não reflete simplesmente o inconsciente coletivo. Ele o produz.

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