JORNAL O GLOBO
Francês Éric Vartzbed faz estudo sobre padrões
psicanalíticos construídos pelo diretor
‘Como Woody Allen pode mudar sua vida’ faz estudo sobre
padrões psicanalíticos construídos pelo diretorReprodução
RIO - Assim que saiu do cinema numa noite em 1988, o
psicanalista e doutor em Psicologia francês Éric Vartzbed teve uma epifania.
Acabara de assistir a "A outra", de Woody Allen, e foi inundado pela
sensação de estar atormentado. Segundo ele, o filme o fez confrontar
dificuldades pessoais complexas. A experiência foi tão forte que, 24 anos
depois, Vartzbed escreveu o livro "Como Woody Allen pode mudar sua
vida", que a Nova Fronteira lança neste mês, e que faz um estudo
psicológico dos personagens e do peculiar humor do diretor nova-iorquino ao
longo de sua filmografia.
— Alguns filmes de Woody Allen atuam sobre mim como espelhos
ou campainhas. Muitos me disseram o estágio em que eu estava da vida e o que eu
precisava mudar nela — conta Vartzbed. — Sou muito sensível ao humor de Woody.
De origem armênia, já ouvi diversas vezes a piada a respeito do nosso povo:
"Nosso passado é triste, nosso presente é catastrófico. Felizmente, não
temos futuro." Eu amo essa habilidade alleniana de rir de sua desgraça.
Engana-se quem pensa que "Como Woody Allen pode mudar
sua vida" é um livro de autoajuda. Apesar do título, a obra é justamente
uma paródia do filão milionário que inunda há décadas as livrarias. A ideia do
nome veio do longa "Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo e tinha
medo de perguntar" (1972), uma ironia do diretor com um livro homônimo
lançado na época.
Dividido em dois capítulos de base, em que o autor conta
como o cineasta mudou sua vida e, depois, como ele pode mudar a do leitor, o
livro é fragmentado em dez partes que satirizam o gênero que consagrou Lair
Ribeiro, entre elas "Como arruinar a sua vida amorosa?", "Como
não nos tornarmos o que somos?", "Como fugir da realidade?" e
"Como prosperar graças ao crime?".
— Com esses títulos, quis claramente fazer uma ironia. Mas
quis mostrar que, apesar das sequências tragicômicas e pessimistas que Woody
narra em seus filmes, por exemplo, é possível aprender muitas coisas. E, como
diz Sartre, conhecer é se transformar.
No lugar de respostas para as perguntas que lança em seus
subtítulos, o autor destrincha arquétipos e padrões psicanalíticos construídos
pelo diretor e coloca seus personagens no divã, como no trecho em que fala da
relação deles com o amor: "Em ‘Manhattan’, o quarentão Isaac luta contra o
fascínio pela adolescente Tracy, de 17 anos. Apesar das bravatas, ele sempre
volta a ser presa do mal-estar causado pela idade da moça. Indícios sugerem que
a atração dele por Mary, uma mulher de sua idade, é motivada pela necessidade
de aplacar o remorso que sente. (...) Já em ‘Hannah e suas irmãs’, sucede o
mesmo com Elliot, personagem de Michael Caine, que deseja ardentemente a
cunhada, uma mulher tabu. (...) Essas dificuldades amorosas também remetem a
uma forma de masoquismo, a uma dívida inconsciente, à necessidade de sofrer
para se sentir autorizado a desejar".
— Um filme não pode substituir uma cura. Ele não é
substituto de uma sessão de análise — sublinha o psicanalista. — Mas o cinema e
a psicanálise têm muito em comum. Começando pelo ano de nascimento de ambos,
que é o mesmo: 1895. Um filme não reflete simplesmente o inconsciente coletivo.
Ele o produz.
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