terça-feira, 17 de abril de 2012

Presidente do TCE justifica demora em julgar contas da AL

Osvaldo Lyra EDITOR DE POLÍTICA
Empossado presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE) em fevereiro, o conselheiro Zilton Rocha admite a demora do Tribunal em julgar as contas da Assembleia Legislativa, que não são apreciadas desde 2007. Em sua justificativa, o conselheiro, que é ex-deputado estadual pelo PT, atribui o fato às dificuldades estruturais existentes na Corte, a exemplo da falta de pessoal. Mas, ao ser questionado sobre os seis longos anos que se passaram, Zilton admite que acelerar a tramitação dos processos é uma das metas do TCE. Nesta entrevista à Tribuna, ele legitima as cobranças da sociedade em relação aos bens públicos e diz que o custo do Tribunal é bem menor em relação às irregularidades que o órgão consegue evitar. Por fim, como cidadão, Zilton tece críticas à gestão João Henrique, sobretudo, em relação ao trânsito e ao PDDU.
Tribuna - O senhor, como um petista histórico, consegue conduzir de forma tranquila a relação com o governo Wagner?
Zilton Rocha - Veja bem. Diferentemente do Judiciário, em que a pessoa tem que ter uma carreira e ter necessariamente formação jurídica, nos tribunais de conta a exigência é que sejam pessoas com conhecimento na área jurídica ou contábil, administrativa e com experiência na vida pública. Eu venho de uma experiência de longos anos dentro da sala de aula, do ensino básico, tanto na rede pública como particular, no interior e aqui na capital. Fui diretor de colégio, depois do Sindicato dos Professores, fui vereador daqui de Salvador e também da minha cidade Nova Canaã, além de ter sido deputado estadual. Essa experiência é que preenche a condição de ter mais de dez anos que a Constituição impõe de vivência com a administração pública para poder se tornar um juiz de contas. Conselheiro é um juiz com status de desembargador, mas com especificidades de julgar contas. O Tribunal é altamente especializado. Ele tem um corpo técnico concursado, pessoas que têm fé pública e que estão aqui em nome da sociedade, dentro de uma instituição encarregada de fazer o controle externo dos gastos públicos. A função básica do Tribunal é fazer o controle externo porque cada órgão precisa ter o seu controle interno. Eu gosto sempre de explicar e deixar isso claro. Controle interno, por exemplo: Se o secretário de educação fizer o convênio com uma prefeitura para construção de uma escola e ele repassar o dinheiro, ele tem que ter um controle interno para saber que ele está passando o dinheiro e a secretaria saber se a execução está sendo feita. Aí entra o Tribunal de Contas para fazer o controle externo. Nós não estamos dentro de nenhuma secretaria, nenhum órgão, mas é um órgão bancado pela sociedade e que se encarrega de verificar se o dinheiro gasto está sendo gasto naquilo que foi planejado, ou seja, nós verificamos se a sociedade recebeu os benefícios do dinheiro público pago por ela, através dos impostos.
Tribuna - O TCE tem tido uma atuação menos combativa que o TCM, que tem punido inúmeros gestores todos os anos?
Zilton - Eu diria que não. Talvez a diferença é que como o Tribunal de Contas dos Municípios trabalha com um universo maior, como prefeituras e câmaras de vereadores, pode aparentemente dar maior visibilidade porque atinge 417 unidades, mas nós somos responsáveis pelo controle de todos os gastos do Estado, através de suas secretarias, autarquias o que inclui universidades. O Tribunal se encarrega de fazer o controle externo dos gastos públicos do erário em relação a todas essas unidades do Estado em todas as formas que eles vierem.
Tribuna - Por que as contas da Assembleia Legislativa não são julgadas desde 2007?
Zilton - Eu vou falar hoje enquanto gestor, encarregado de administrar o Tribunal, porque no ponto de vista concreto, aqui o presidente não interfere nos processos. O processo é comandado por um relator que é sorteado, então cada exercício da Assembleia, do governo do Estado ou de todas as unidades que compõem o Estado cai para um dos conselheiros relatar. Esse processo tem um trâmite, além dos auditores que vão in loco à Assembleia, ao Tribunal de Justiça, ao Ministério Público, às secretarias, as universidades, tem que ir ao Ministério Público de Contas, que só a partir de fevereiro de 2011 instalamos, e os procuradores foram nomeados. Eles também têm que falar nos processos para depois irem para o relator e diante desses opinativos, o relatório vai então marcar a data para julgamento e isso às vezes demora.
Tribuna - Mas seis anos não é tempo suficiente para julgar uma conta?
Zilton - Eu disse que ia falar agora como gestor. O que nós aqui do Tribunal de Contas estamos fazendo? Nós todos, - acho que posso falar tranquilamente em nome de todos os conselheiros - estamos preocupados e de resto todos os tribunais brasileiros, incluindo o TCU, estão se estruturando para ver se reduz o tempo do trâmite, para que os processos que entrem no TCE não durem anos e mais anos e cheguem ao seu final, que é ir para o Pleno e serem apreciados, havendo o julgamento. Essa é uma preocupação que alguns tribunais estão tendo como meta, de que todos os processos do exercício anterior sejam julgados no exercício seguinte. Nós, infelizmente, não alcançamos esse estágio. Falta de pessoal, pois faz mais de 15 anos que não é feito um concurso. Portanto, temos um déficit de pessoal. Temos dificuldades também de ordem tecnológica. Os tribunais precisam estar aplicando as tecnologias de informação que o momento histórico nos possibilita. É preciso que a gente se estruture para que possamos responder em tempo menos largo os julgamentos dos processos que entram aqui de prestação de contas porque ainda vêm convênios, reclamações, denúncias, uma gama de demandas sobre as quais o Tribunal tem que se posicionar. Mas, em relação à prestação de contas, o que eu posso dizer é que é preciso que nós nos estruturemos para julgá-las em um tempo menor. Realmente, a sociedade e a imprensa quando cobram é com razão.
Tribuna – Acredita que a falta de acompanhamento por parte do TCE não levou a atos, como o que indiciou o deputado Roberto Carlos, do PDT? Seis anos não seria um tempo mais do que suficiente para ter melhorado a estrutura do TCE?
Zilton - Estou querendo falar com toda a abertura, com toda tranquilidade, sem fugir das questões. Eu diria que eu vou fazer esforço nessa direção. Primeiro, deixando claro que não é porque chegou à presidência que os conselheiros, o Ministério Público, os auditores sejam forçados a julgar. Aqui existe um trâmite e tem autonomias. O relator, por exemplo, enquanto não tiver os elementos resolvidos, do ponto de vista da instrução do processo, ele não pode levar. Do ponto de vista específico de detectar situações de irregularidades nos poderes, eu diria que há um limite. Qual é o limite? Os tribunais de contas reivindicam a prerrogativa de eles também poderem quebrar sigilo bancário, sigilo telefônico porque há situações que sem quebrar sigilo o auditor não chega. Ora se um deputado contrata um assessor dentro dos limites que a lei permite como é que se vai saber que esse assessor entregou o dinheiro pra ele? Aí que eu disse: - Só Ministério Público, Polícia pedindo ao Judiciário para quebrar sigilos, pois só pela auditoria dos papéis, dos contratos, dificilmente o auditor vai dizer que houve alguém que foi contratado e repassou dinheiro para a esposa, como saiu na imprensa. Infelizmente existem esses limites, e os tribunais têm reclamado em relação a essa questão. Por que a Polícia e o Ministério Público podem pedir ao Judiciário a quebra de sigilo bancário e os tribunais não podem?
Tribuna - O senhor defende que os tribunais tenham essa prerrogativa?
Zilton - Eu defendo que os tribunais de contas também possam ter essa prerrogativa, onde ao detectarem indícios claros de situações que requerem uma investigação maior possam pedir quebras de sigilo bancário. Se não podem, aí não adianta. Isso nos limita de írmos até a fase criminal. Nós fazemos auditoria e não chegamos à fase de crime. Isso quem faz é o Ministério Público, portanto o que o Tribunal apontar como indício sério, o Ministério Público pode a partir dali verificar se de fato houve desvio ou o que for.
Tribuna – O senhor acredita que a cobrança da opinião pública vai levar o representante público a agir com mais critério?
Zilton – Tenho certeza que sim. Em relação à Assembleia, em relação ao Tribunal de Contas – para não dizerem que só estamos falando dos outros – nós também vamos ter que dar transparência aos nossos gastos. Quanto custa um tribunal de contas para a sociedade? E é hora de a sociedade começar a perguntar. Qual a resposta que o Tribunal dá para ele buscar R$100 milhões por ano à população. Eu acho que isso é que é o novo. Ora, o Brasil nunca teve 30 anos de liberdade democrática plena. Nós vamos completar isso em 2015. Por isso, a sociedade está mais atenta, a legislação do país está mais rígida, e esse crescer de consciência da população vai aumentar e as instituições que se preocupem mesmo de darem satisfação, de serem transparentes e isso vale para os tribunais, para o Tribunal de Justiça, para Assembleia, para o MP, porque ele cobra dos outros, mas ele também gasta dinheiro do povo e nós também cobramos, mas gastamos. Quando eu vejo você poder expor mazelas - eu uso até outra metáfora que é a do abcesso. Quando ele está no corpo doente ninguém sabe o que está acontecendo. Quando rasga _ e se não rasgar o organismo não volta a ter saúde _, quando rasga, espirra é putrefação para quem está em volta e o mau cheiro atinge. É mais ou menos o que estamos vivendo.
Tribuna - Como cidadão, como o senhor avalia a situação atual de Salvador, no final da gestão João Henrique?
Zilton – Vou falar como cidadão, e como professor de geografia que fui. Eu diria que vejo com muita preocupação, sobretudo, quando eu vejo que estamos começando a copacabanizar a orla de Salvador. Outra preocupação que tenho é com o transporte. Eu estive no ano de 2000 na cidade de Amsterdam e pegava um trem no aeroporto para ir para o centro da cidade. O deslocamento era tão rápido que em cinco ou dez minutos se desloca grandes massas e ninguém se cansava. Então, como é que uma cidade vai começar agora o seu projeto de transporte coletivo discutindo ainda se vai fazer o transporte em cima de pneu? Quando eu penso hoje em Salvador, eu reflito que devemos tomar decisões corajosas, pensando em ver a cidade como um todo. Dá muita tristeza quando eu vejo se discutindo o PDDU apenas em um pedaço da orla que interessa às construtoras. É preciso pensar em outras áreas, São Caetano, Curuzu. É preciso priorizar os bairros. Agora ficam discutindo onde é que vai liberar gabarito, como se a cidade não existisse como um todo. A nossa felicidade foi termos um baiano como Mário Leal Ferreira que projetou as grandes avenidas, que pensasse a cidade como um todo. Imagine se não tivéssemos pessoas técnicas e especialistas do passado como ele, como seria a nossa cidade sem a Avenida Garibaldi, a Vasco da Gama, o Bonocô? Se não for pensada hoje de forma grande, sem conchavos, o que será do seu futuro e das próximas gerações? Por exemplo, dizem que Mário Leal Ferreira pensou a Avenida Bonocô com 30 metros de cada lado livre e hoje tem lugar que não tem nem um metro. O que se admite diante disso? Que deve ter sido o tal do jeitinho, o suborno, onde acabou se invadindo e desfazendo algo que alguém planejou diferente há décadas. Mas digo que Salvador é uma cidade privilegiadíssima.
Tribuna - Em que a gestão Wagner poderia ser melhorada?
Zilton – Na educação. Acho que o próprio o governador deve reconhecer. O Brasil tem dado alguns passos, mas eu acho que a educação na Bahia e no Brasil – e aí eu estou falando porque vivi 31 anos na sala de aula – precisa dar um grande salto e isso passa obrigatoriamente por mais recursos. Para tirar o país dessa situação em que se encontra do ponto de vista qualitativo da educação não basta 4,5% ou 5% do PIB, mas nós temos que levar um tempo gastando pelo menos o dobro disso. Mas eu vou completar para dizer que não é só o salário dos professores que precisa ser melhorado. É preciso quadra nas escolas, é preciso auditório para arte, é preciso informática, biblioteca, portanto para você ter dinheiro para dotar todas as escolas de condições físicas e tecnológicas para funcionarem de acordo com a realidade em que estamos vivendo na segunda década do século 21. É preciso muito dinheiro para ser investido, para que não se permita que novas gerações não atinjam a adolescência sem o ensino fundamental, se não você vai criando uma represa. Chega lá na frente diz: - ah vamos alfabetizar os que ficaram lá atrás. Isso é um absurdo. Aí se fossemos falar ainda na saúde, o que eu acho um equívoco quando as pessoas condenam o SUS, ao invés de defenderem que ele seja aperfeiçoado, até porque se sabe que o SUS é modelo de exemplo, inclusive para países de primeiro mundo. Sou a favor da concepção do SUS, precisando sempre melhorar e colocar sempre mais recursos para que a população universalmente tenha mais direitos.
Tribuna - Acredita que o secretário José Sérgio Gabrielli vai conseguir dar um ritmo mais célere às ações do governo do Estado?
Zilton - Acredito que tem tudo para conseguir. Eu diria que os últimos secretários de planejamento são de alta qualificação. Convivi com Zezéu na Câmara, ele é arquiteto, alguém muito capaz. O mesmo digo de Walter Pinheiro, que trabalhou na Telebahia, conhece essa cidade de ponta a ponta, conhece o Estado, viajam muito e conseguiram avançar. Já José Sérgio Gabrielli é um homem com uma experiência internacional que eu diria que poucas pessoas de qualquer país do mundo têm, como é a Petrobras, que tem essa relação com o público e também como empresa. Depois dessa vivência na estatal, não tenho dúvidas de que ele tem todas as condições do ponto de vista do preparo, da experiência para fazer. Ele leva o seu prestígio pessoal para o mundo. Eu vejo nele também uma capacidade para ver o todo.
Tribuna - O que elas podem esperar do Tribunal de Contas do Estado daqui pra frente?
Zilton - A rede de controle que envolve TCU, TCEs, TCMs, junto com outros órgãos, nós somos inclusive defensores de que a Assembleia aprove o projeto que o governador mandou criando a Controladoria Geral do Estado, com o intuito de fortalecer o controle interno, pois isso dá mais segurança aos governantes de que o dinheiro gasto está tendo acompanhamento. Nós estamos propondo nacionalmente a criação do conselho nacional dos tribunais de conta. Nós vimos aí que muita gente esperneou contra a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e agora está havendo o reconhecimento. É preciso que haja um órgão de controle externo para cobrar se há conselheiros em que o seu comportamento agrida a instituição, que seja identificado e punido. Não tem que se contemporizar com isso. Os tribunais de conta estão fazendo as normas de auditoria governamental. Os tribunais são a favor de um conselho para que um não decida uma coisa de forma tão discrepante de outro, portanto nós também estamos conscientes que é preciso que os tribunais se compenetrem que a sociedade está cobrando e vai cobrar cada vez mais. Outra coisa que eu vou dizer é que a sociedade tem que ter clareza. Muita gente pode dizer que era melhor que nem existisse, mas digo que eu mesmo não tinha essa clareza antes de vir pra cá. Hoje digo que só a existência já faz com que a administração se preocupe e os gestores se preocupem em fazer direito. Isso por si só já justifica a sua existência para sociedade. O custo dele é muito menor do que aquilo que evita de gastos, de desperdícios, de desvios e de mal uso do recurso público. Eu quero encerrar dizendo que a coisa que mais me fascina em estar aqui no Tribunal não é o aspecto de punir, mas o aspecto que o tribunal pode ter de orientador, de ajudar a administração em se aperfeiçoar. Eu vou fazer um esforço nestes dois anos que estarei aqui para nos relacionarmos com o Judiciário, chamarmos os responsáveis pelos controles internos para fazermos oficinas, seminários, onde os auditores mostrem para eles a legislação, a construção, os elementos para que a administração das contas seja correta.
 
Colaborou: Lílian Machado

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