Tribuna da Bahia - Paulo Roberto Sampaio Diretor de Redação
A primeira imagem que se vê do gabinete do prefeito João Henrique no
Palácio Thomé de Souza é uma vista deslumbrante da Baía de Todos os Santos, com
o Forte de São Marcelo a emoldurar a paisagem. Mas é exatamente no lado oposto,
onde um painel emoldura a parede, que seus olhos brilham e ele renova as
energias a cada dia. A foto retrata os contrastes dessa centenária
cidade.
A Salvador urbanizada, de belos prédios com o perfil de uma grande metrópole e a cidade informal, que se ergue à sua volta, onde a pobreza é vizinha do medo, onde os becos e vielas pedem urbanização e iluminação pública, onde as encostas teimam em deslizar na primeira chuva, mas ainda assim são ocupadas por quem não tem um teto. Uma Salvador marginalizada, que aprendeu a se contentar por muitos e muitos anos com algumas obras e tímidas intervençóes do poder público, a receber os postes que já não mais serviam para iluminar as ruas dos bairros nobres.
O rebuscalho de uma cidade desigual. É diante deste quadro que o prefeito João Henrique assegura buscar forças para gerir uma das cinco maiores capitais do Brasil, arrecadando de pouco mais de um milhão de habitantes para atender as demandas de quase 3 milhões. Ou mais. E com um agravante: já começa o mês devendo, ou com uma valiosa fatia da receita comprometida. Algo como R$ 18 milhôes são desviados compulsoriamente dos já combalidos cofres municipais num sequestro do repasse do Fundo de Participação dos Municípios. Dívidas herdadas de gestões anteriores.
Legado malvado e que só começa a ser corrigido a partir dessa gestão, quando a Lei de Responsabilidade Fiscal obriga o gestor a não transferir débitos contraídos em sua administração para o seu sucessor. Nessa entrevista, o prefeito fala das principais carências da cidade, de erros que não mais cometeria como gestor público e alerta para a importância de uma estreita parceria com o Estado e União para viabilizar as intervenções que a cidade precisa. E se julga preparado para um desafio maior no futuro.
A Salvador urbanizada, de belos prédios com o perfil de uma grande metrópole e a cidade informal, que se ergue à sua volta, onde a pobreza é vizinha do medo, onde os becos e vielas pedem urbanização e iluminação pública, onde as encostas teimam em deslizar na primeira chuva, mas ainda assim são ocupadas por quem não tem um teto. Uma Salvador marginalizada, que aprendeu a se contentar por muitos e muitos anos com algumas obras e tímidas intervençóes do poder público, a receber os postes que já não mais serviam para iluminar as ruas dos bairros nobres.
O rebuscalho de uma cidade desigual. É diante deste quadro que o prefeito João Henrique assegura buscar forças para gerir uma das cinco maiores capitais do Brasil, arrecadando de pouco mais de um milhão de habitantes para atender as demandas de quase 3 milhões. Ou mais. E com um agravante: já começa o mês devendo, ou com uma valiosa fatia da receita comprometida. Algo como R$ 18 milhôes são desviados compulsoriamente dos já combalidos cofres municipais num sequestro do repasse do Fundo de Participação dos Municípios. Dívidas herdadas de gestões anteriores.
Legado malvado e que só começa a ser corrigido a partir dessa gestão, quando a Lei de Responsabilidade Fiscal obriga o gestor a não transferir débitos contraídos em sua administração para o seu sucessor. Nessa entrevista, o prefeito fala das principais carências da cidade, de erros que não mais cometeria como gestor público e alerta para a importância de uma estreita parceria com o Estado e União para viabilizar as intervenções que a cidade precisa. E se julga preparado para um desafio maior no futuro.
Tribuna da Bahia - Prefeito qual o maior desafio que o senhor
experimentou desde que sentou nessa cadeira?
João Henrique - O maior desafio foi administrar Salvador
como uma única cidade porque, por exemplo, este quadro na parede, do nosso lado
esquerdo, mostra bem. Na verdade, são duas cidades. A cidade dos que têm e a
cidade dos que não têm. Você tem que arrecadar impostos e tributos da cidade que
tem e aplicar na cidade que não tem. Manter esse equilíbrio é o grande desafio.
Oferecer saúde pública, educação, transporte, empregos a essa cidade carente,
que é a cidade de onde eu venho, que é o interior da Bahia. São pessoas que
vieram do interior e, não tendo condições de morar em melhores condições, moram
dessa forma. O grande desafio, eu diria que é administrar a cidade como se fosse
uma única cidade, ou seja, o mesmo amor e a mesma atenção que são dados à Cidade
Alta, devem ser dados à cidade carente.
Tribuna - O senhor acha que essa foi a grande marca da sua
gestão?
João Henrique - Foi. Tanto que na minha reeleição, quando
a cidade melhor situada economicamente duvidava da minha eleição, a cidade mais
pobre, a cidade menos beneficiada, foi a cidade que me conduziu para mais quatro
anos à frente da prefeitura. Foi a cidade mais carente, o subúrbio, Cajazeiras,
as ilhas, enfim, eles viram essa quebra do paradigma, a percepção dessa mudança
de comportamento de que a prefeitura, agora, os olhava, tinha carinho e atenção
por eles.
Tribuna - De toda forma, prefeito, a vida é um experimento
constante. O que o senhor corrigiria de rumo na gestão da cidade?
João Henrique - As demandas são, no caso de uma cidade como Salvador, crescentes e infinitas. O que eu poderia ressaltar, no caso de corrigir rumos, é um secretariado técnico e menos político. É o conselho que eu dou, inclusive, para as novas gerações. Eu acho que esse modelo de secretariado indicado por partidos políticos tem que ser superado, precisa ser superado. Eu estou chegando ao último ano do meu governo com um secretariado basicamente técnico e é quando eu estou sentindo mais sinergia na equipe, mais espírito de grupo, mais compromisso com a gestão, com a cidade e com o prefeito. É agora, nesse momento, que eu estou com o secretariado quase que, cem por cento técnico.
João Henrique - As demandas são, no caso de uma cidade como Salvador, crescentes e infinitas. O que eu poderia ressaltar, no caso de corrigir rumos, é um secretariado técnico e menos político. É o conselho que eu dou, inclusive, para as novas gerações. Eu acho que esse modelo de secretariado indicado por partidos políticos tem que ser superado, precisa ser superado. Eu estou chegando ao último ano do meu governo com um secretariado basicamente técnico e é quando eu estou sentindo mais sinergia na equipe, mais espírito de grupo, mais compromisso com a gestão, com a cidade e com o prefeito. É agora, nesse momento, que eu estou com o secretariado quase que, cem por cento técnico.
Tribuna - Isso significa que a política atrapalha muito a
gestão?
João Henrique - Tanto atrapalha como ajuda. Por exemplo:
quando uma bancada de deputados federais se mobiliza, em Brasília, para
pressionar pela liberação de verbas para o metrô, ajuda. Isso me ajudou muito no
meu primeiro governo, quando eu peguei o metrô com percentual pequeno de
realização, cerca de 25 a 30% e, hoje, estou com 100% realizado, que são os
primeiros seis quilômetros. Tiveram momentos que a bancada federal, em Brasília,
se mobilizou suprapartidariamente, do PT ao DEM, para buscar junto ao presidente
Lula, pressionar junto ao ministro das Cidades, da época, Márcio Fortes, pelas
verbas do metrô. Então, a política, nesse momento, ajudou no momento de
mobilização das bancadas. Do senado, da câmara federal para brigar pela Bahia.
Por outro lado, a política prejudica no momento em que você tem que colocar
compor um secretariado por indicações políticas.
Tribuna - Ordenar uma cidade como Salvador, que já nasceu cheia de
vielas, cheia de becos, parece complicado. O senhor tentou, com leis, fazer
isso, como a questão dos caminhões no centro, das filas de banco. Por que isso
não evoluiu?
João Henrique - Mudar comportamentos e hábitos é muito
difícil. Em Salvador, o hábito da informalidade é muito forte. Nós somos uma
capital nordestina, pobre, onde muitas pessoas vivem e sobrevivem da
informalidade. Aqui é muito diferente de você morar em Belo Horizonte, São
Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis. Aqui é Nordeste, somos uma cidade pobre
num Estado pobre Assim como eu disse, no início da entrevista, que eu vim do
interior, mais da metade da população de Salvador migrou do interior também.
Chegamos aqui, mão de obra desqualificada, e com isso a informalidade predomina
na mão de obra de Salvador, nas construções, nas habitações populares, no
trânsito, em tudo. Então, é muito difícil você estabelecer regras para as
pessoas cumprirem. Dessa forma, vêm as reações, vão à justiça e conseguem
liminares. Foi assim, por exemplo, quando eu tentei instituir a obrigatoriedade
de ter empacotadores nos supermercados. Perdi na Justiça. A obrigatoriedade da
carga e descarga em horários fixos e pré-determinados, à noite e de madrugada.
Perdemos na Justiça. Ganhamos o estacionamento dos shoppings, mas ganhamos lá
atrás quando eu era deputado. Talvez, hoje, não tivéssemos o êxito que
tivemos.
Tribuna - No campo político, na sociedade organizada, em todos os
setores que giram em torno da vida da cidade, quem mais o ajudou e quem mais o
atrapalhou nesses sete anos de gestão?
João Henrique - É difícil nominar um ou dois. Eu diria que
há um conjunto de órgãos de controle externo que, muitas vezes, até querendo
ajudar, atrasam nossos cronogramas. Por exemplo, eu entrei aqui na prefeitura e
eu já ouvia falar da inauguração do Hotel Hilton, aqui na Cidade Baixa. Eu estou
saindo da prefeitura e o Hotel Hilton não levantou um tijolo, ainda. Eu soube
que ele vai requalificar todo aquele quarteirão do Mercado Modelo. O Aeroclube,
na Boca do Rio, eu entrei aqui na prefeitura, estava aquela ferida urbana, ali.
Eu vou sair da prefeitura e continua aquela ferida urbana, ali. Os órgãos de
controle externo, muitas vezes, no bom propósito de ajudar, atrapalham o
cronograma e as ações do poder público. E aos olhos da comunidade, da sociedade,
parece que é o poder público que é inoperante, oportunidades como essa são
importantes para esclarecer isso aos baianos.
Tribuna - Isso significa que onde o senhor pôde agir e a realidade
é outra?
João Henrique - Sim. Feridas urbanas que maculavam a
cidade nós transformamos em lugares de gentileza urbana. A fábrica da Barreto de
Araújo era uma ferida urbana, hoje, é uma praça, um local para atos de gentileza
urbana, para as famílias conviverem. O Clube Português, da Pituba, era um câncer
urbano e nós transformamos em uma área de gentileza urbana. O canal aberto do
Imbuí, o canal aberto da Centenário, tudo isso nós transformamos de ferida em
gentileza. É como Jaime Lerner chama, “a verdadeira acupuntura urbana”.
Tribuna - Muitas vezes o gestor evita abordar, mas eu queria saber:
o Ministério Público tornou-se onipotente? Ele extrapolou, ele acaba limitando
ou fazendo cobranças que o gestor não tem como atender? Qual o seu
sentimento?
João Henrique - Sim, e não é só o Ministério Público. O
Tribunal de Contas dos Municípios também e, às vezes, você tem conflitos entre
determinações do TCM versus determinações do MP. Às vezes, eu tenho que assinar
certos TACs, aqui, com o MP, que são contraditórios a certas determinações que
eu tenho do TCM. Imagine a posição que nós nos encontramos: obedecer ao TCM ou
ao MP, quando as ordens são contraditórias, são antagônicas? Esse é o papel de
um prefeito também, decidir a qual dos dois órgãos você vai desobedecer para
obedecer ao outro.
Tribuna - Quando o senhor começa um mês como está o caixa da
prefeitura? Quanto estima dispor para gastar com obras?
João Henrique - A gente só gasta, Paulo, em manutenção e
conservação da cidade porque o dinheiro que é arrecadado por ano só dá, e
somente só, para manutenção e conservação. E mesmo assim, muito mal, não é nem
aquela manutenção e aquela conservação que a gente gostaria de dar para a
cidade. A receita de Salvador é muito baixa, Salvador tem uma população que não
condiz com o tamanho da receita. Por isso que, das 26 capitais, nós ficamos em
vigésimo quinto lugar. Quando você divide o tamanho da população pelo tamanho da
receita, ou seja, receita pública per capita, você tem algo em torno de R$800
para gastar por habitante/ano. Isso dá para gente o 25º lugar em receita pública
per capita. Isso sem contar que nós inauguramos um posto de saúde e daqui a um
ano ele já estará pequeno. Parece que encolhe de tamanho. Você inaugura uma
escola e daqui a um ano ela já estará pequena, você inaugura uma praça e daqui a
um ano ela já estará pequena. Tudo fica pequeno muito rápido, em Salvador,
porque a velocidade de crescimento populacional é muito acelerada.
Tribuna - A imigração continua grande, prefeito?
João Henrique - São cinquenta mil novos habitantes por ano
e que vêm maciçamente para essa parte de baixo da cidade. A grande parte vem
morar aqui, na cidade informal, onde a demanda pelos serviços públicos é maior.
Pelo posto de saúde, pela escola, pela limpeza, pela iluminação, pela segurança,
pelo emprego, pelo transporte, por tudo a demanda nessa cidade informal é muito
maior do que a demanda na cidade formal. E os serviços públicos são mais
consumidos aqui, do que lá na cidade formal. Pois bem, a receita é baixa, o
crescimento da população é aceleradíssimo,
Tribuna - Os números são realmente preocupantes,
não?
João Henrique - Salvador tem o maior crescimento de
população do Brasil, segundo dados do IBGE, e nós temos também a maior
concentração populacional do Brasil. Existem bairros, em Salvador, que chegam a
ter vinte mil habitantes por quilômetro quadrado. A média da cidade é dez mil
por cada quilômetro quadrado, mas tem bairros, como o Nordeste de Amaralina, que
chegam perto de vinte mil por quilômetro quadrado. O bairro da Liberdade,
também, chega a vinte mil habitantes por quilômetro quadrado. Comparando com São
Paulo, são sete mil e quinhentos habitantes por quilômetro quadrado.
Tribuna - E onde alojar todo esse contingente que chega à
cidade?
João Henrique - O nosso problema, se é que é problema, é o
mar. Não é problema, mas do ponto de vista da densidade demográfica, é. Salvador
é uma faixa de terra, um cabo geográfico, cujo vértice é o Farol da Barra, que
avança sobre o mar e ali dentro você tem que hospedar três milhões de
habitantes. Ao fundo tem Lauro de Freitas e Simões Filho. Você tem um triângulo
para povoar, por isso eu torço para que saia logo essa ponte Salvador-Itaparica.
Na hora que sair essa ponte de quatorze quilômetros, nós vamos ter um dreno
demográfico porque a extensão da ponte vai ser a extensão da Avenida Paralela.
Quantas pessoas moram em Vilas do Atlântico e vêm trabalhar em Salvador? Quantas
pessoas moram em Buraquinho, Camaçari e vêm trabalhar em Salvador?
Tribuna - Então 14 quilômetros nos separam de uma nova
Salvador?
João Henrique - São 14 preciosos e importantes
quilômetros. Muita gente vai poder morar lá ou trabalhar lá e morar cá, enfim,
nós vamos ter a possibilidade de ter um desenvolvimento econômico e social do
lado do recôncavo, nas ilhas de Itaparica e Vera Cruz, Santo Antônio de Jesus,
enfim, nesse lado do recôncavo. Isso vai ajudar a dar uma opção a mais de
moradia para as pessoas, ativar nossa atividade econômica, já que a cidade está
com a maior ocupação demográfica por quilômetro quadrado do Brasil, mas com a
vigésima quinta receita mais pobre do país.
Tribuna - Isso significa que a cidade está saturada, do ponto de
vista populacional?
João Henrique- Saturadíssima. Veja o Projeto Minha Casa
Minha Vida. Nós só conseguimos áreas na Via Parafuso, na estrada CIA/aeroporto.
Ali conseguimos algumas áreas. Pode reparar, os poucos projetos Minha Casa Minha
Vida que nós temos em Salvador ou foram feitos em Cajazeiras, algumas áreas
remanescentes de Cajazeiras ou na estrada CIA/aeroporto, na Via Parafuso. A
cidade está completamente saturada, nesses mapas na parede você vê como a cidade
está concentrada populacionalmente. Mas tudo isso tem rebate, aonde? Na
segurança pública, que embora seja responsabilidade do Estado, interfere na
qualidade de vida, de um modo geral, da população.
Tribuna - Que leitura o sr. faz da qualidade de vida em nossa
cidade?
João Henrique - A ONU tem um dado, Paulo, chamado optimo
populacional. Esse optimo populacional quer dizer o ideal de população para
aquela cidade. Salvador está com quase o dobro do optimo populacional
estabelecido pela ONU, ou seja, o impacto na qualidade de vida é muito forte.
Porque uma cidade planejada, com uma população proporcionalmente correta ao
tamanho do território da cidade, você tem qualidade de vida. Mas, uma cidade
onde você tem quase o dobro da população, do ponto de vista do planejamento
urbano ocupando aquele mesmo território, impacta na qualidade de vida. Dessa
forma, você vai ter postos de saúde mais cheios, escolas públicas mais cheias,
segurança pública mais vulnerável. Eu digo segurança pública em uma cidade que
tem uma desigualdade social extremamente gritante, então isso é agravante para a
segurança pública, essa distância social entre pobres e ricos e a cidade
concentrada populacionalmente é algo realmente preocupante. Esse rebate na
qualidade de vida, pelo tamanho da população versus o tamanho do território, é
muito forte.
Tribuna - O senhor admite que a receita do município é insuficiente
para oferecer uma qualidade de vida dentro do padrão desejado por todos. Com
isso, o senhor acha que Salvador vai continuar refém ou dependente do Estado e
da União para crescer?
João Henrique - Com certeza. Os projetos de mobilidade
urbana, por exemplo, são projetos federais. As obras do metrô de Brasília,
Fortaleza, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, são obras
federais. Os investimentos em transporte de massa sempre são investimentos
federais porque requerem aporte de recursos que uma prefeitura não dispõe.
Tribuna - E como anda a capacidade de endividamento da
Prefeitura?
João Henrique: A prefeitura de Salvador não tem capacidade
para tomar empréstimos e por conta disso depende, mesmo, de investimentos
federais a fundo perdido, o que é mais difícil, ainda. Sempre vamos ter essa
dependência, daí esperamos que haja melhor repartição desse bolo tributário. A
nossa fé, a nossa esperança é que isso seja revisto. Não é possível. Tantos
deputados federais que já foram prefeitos e estão, hoje, no Congresso Nacional e
não se sensibilizam. Eu acho que tem que haver uma tomada de consciência no
Congresso Nacional.
Tribuna - Fala-se muito de uma herança maldita que lhe coube quando
assumiu a prefeitura. Do que se trata?
João Henrique - Eu tenho sequestrado na fonte, por
exemplo, cerca de R$18 milhões por mês, do Fundo de Participação dos Municípios.
Há meses que esse valor diminui um pouco, cai para 15 milhões, há meses que sobe
para 18. Ou seja: eu já começo o mês com os cofres no vermelho. Eu exemplifico.
Nós temos até 18 milhões por mês sequestrados, de dívidas e gestões bastante
anteriores à minha. São dívidas do INSS, do FGTS, são dívidas trintenárias. A
dívida previdenciária, por exemplo, é trintenária. Dívidas de lá de trás que eu
pago até hoje porque foi feita uma consolidação dessas dívidas, foi levantado um
número e esse número é mensalmente retirado na fonte, antes do FPM ser
repassado. Varia de 15 a 18 milhões todo mês.
Tribuna - Então a cidade paga hoje o preço de gestores
irresponsáveis no passado?
João Henrique - Pois é e esse dinheiro faz muita falta,
mas no passado não existia Lei de Responsabilidade Fiscal. Um prefeito podia
passar a prefeitura para o seu sucessor com dívidas. Eu sou o primeiro prefeito
que está tendo a obrigação de passar para o meu sucessor uma prefeitura sem
dívidas porque a lei de responsabilidade fiscal, finalmente, começa a ser
cobrada dos gestores. Mas só agora, a partir dessa nossa geração de prefeitos. E
é importante que a sociedade tenha consciência disso. Nossos gastos são
limitados ao orçamento. Esses prefeitos que estão saindo junto comigo fazem
parte da primeira geração de prefeitos obrigada a passar a prefeitura para o
sucessor sem dívidas. Se assim fosse, nos últimos 30 anos, eu não estaria, hoje,
pagando cerca de 18 milhões por mês de dívidas contraídas pelos prefeitos que
ocuparam essa cadeira nos últimos 30 anos. E a cidade teria uma capacidade de
investimentos em obras muito grande, mas poucos atentam para isso.
Tribuna - Apesar de todo esse arrocho financeiro, o senhor
conseguiu oferecer uma melhoria salarial para os pelos professores do município.
Como foi possível isso?
João Henrique - Herança de João Durval. Eu aprendi em
casa, isso. Tratar bem, com respeito, com dignidade o funcionário público. Mas
não foi só na área da educação não. Na saúde também tiveram aumentos da ordem de
100 a 120% com a implantação do novo plano de cargos e salários da saúde. Para
os professores nós demos 121% nesses sete anos e meio. No plano de cargos e
salários da saúde tiveram aumentos muito bons que variaram entre 50 e
120%.
Tribuna - O senhor disse, em recente entrevista, que talvez, um dos
dias mais tristes de sua gestão, quiçá de sua vida, foi quando o senhor teve
que, forçado pela justiça, autorizar a demolição das barracas. Nós vamos
continuar convivendo com essa orla até quando?
João Henrique - Pois é. Ainda hoje, eu recebi a visita,
aqui, do grupo que está refazendo a orla marítima do Rio de Janeiro. Eles
estiveram aqui me visitando e sugerindo propostas para a orla de Salvador.
Realmente, a orla do Rio do Janeiro está muito bonita, agora, o que aconteceu
aqui? Primeiro, a determinação da Justiça Federal para demolir todas as barracas
sob a alegação de que eram barracas construídas em caráter fixo e permanente
sobre as areias e que as areias são patrimônio da União. Houve toda aquela
celeuma, toda aquela polêmica com a SPU (Superintendência do Patrimônio da
União), a Justiça Federal entrou e acabou por determinar aquela demolição.
Inicialmente foram cerca de 500 barracas e no segundo momento, também cerca de
500 barracas.
Tribuna - Com efeitos danosos para uma parcela importante da
economia da cidade, sim?
João Henrique - O Sebrae até publicou um livro onde fala
que, em Salvador, cerca de 30 mil pessoas sobreviviam da economia das barracas
de praia. Era uma economia forte. A decisão da Justiça Federal tinha que ser
cumprida, foi há 20 dias da eleição, me deu um prejuízo político enorme, aos
candidatos que eu estava apoiando e à minha imagem também, naquele momento. Foi
um prejuízo político incalculável, mas era uma ordem da Justiça Federal e tinha
que ser cumprida.
Tribuna - E daí em diante, o que foi feito?
João Henrique - Nós apresentamos à Justiça Federal uma
opção de reordenamento das barracas na orla. A Justiça Federal montou a chamada
“Comissão dos Notáveis”, a qual apreciou nossa proposta e fez algumas sugestões
de ajuste. Nós reapresentamos a proposta já com esses ajustes e até hoje não
tivemos uma resposta. Tudo que precisa ser feito na orla, hoje, há uma
determinação da Justiça Federal, seja ocupação de caráter provisório ou
permanente, deve ser submetido à Justiça Federal.
Tribuna - E qual a sua concepção para a nova orla da cidade?
João Henrique: A orla de Salvador, Paulo, eu acho que
precisa muito mais do que um reordenamento de barracas. Hoje, a orla de
Salvador, que foi feita em 1986 e inaugurada por João Durval, naquele trecho
Jardim dos Namorados até a sereia de Itapoan, hoje, já precisava de uma
reurbanização. A cidade cresceu muito, as pistas que eram largas na época, hoje,
com o número de carros que há na cidade e com as ocupações residenciais e
comerciais que chegaram à orla marítima já demandam nova urbanização da orla. E
aí, não deve ser apenas essa orla alta, mas sim uma reurbanização que venha
desde a praia de Inema até a praia do Flamengo. Eu penso Salvador como um todo.
Dos que têm maior e dos que têm menor renda. Ela é o lazer democrático acessível
a todos da cidade.
Tribuna - O que fazer para que isso aconteça?
João Henrique - Eu acho que só uma grande mobilização com
todos os atores na mesa. Porque, até então, o que tem acontecido é uma queda de
braço entre a prefeitura e a Justiça Federal.
Tribuna - Indo um pouco para o campo político, o senhor sempre fez
boas referências ao governador Jaques Wagner, mas, hoje, vocês divergem na
questão do metrô. Independente dessa abordagem do metrô, ele lhe ajudou mais ou
atrapalhou mais?
João Henrique - O governador sempre ajudou nessa e em
outras questões também. A única discordância que nós temos, em relação ao
momento de colocar o metrô para funcionar, é porque nós queremos iniciar já,
urgentemente, a fase de pré-operação ou operação assistida ou operação branca,
tem essas três denominações. Pode estar havendo, até, um mal entendido e estar
gerando esse curto circuito. Na verdade, o que nós estamos defendendo é o início
da fase de pré-testes.
Tribuna - Então, prefeito, talvez essa entrevista contribua para
pôr fim a esse impasse...
João Henrique - Às vezes nós nos comunicamos mal, é tudo
questão de comunicação. Poderia, até, dizer aqui que não está havendo
discordância com o governador porque, quando a gente fala em inauguração do
metrô, prefeitura versus governo, uma defende um prazo e outra, outro, mas não
estamos falando de inauguração do metrô. Se a gente for descer ao detalhe,
talvez não esteja havendo nem discordância.
Tribuna - Quer dizer que sua proposta é essa...
João Henrique - Para deixar bem claro, eu acho que não
está havendo nem discordância, eu acho que está havendo é má comunicação, é um
curto circuito.
Tribuna - A prefeitura coloca subsídio hoje no transporte da
cidade?
João Henrique: Hoje, a prefeitura coloca nos trens cerca
de um milhão e meio por mês para as pessoas poderem pagar cinquenta centavos. Se
não fosse esse valor que a prefeitura coloca todo mês, a tarifa não seria
cinquenta centavos. Se não fosse o valor que eu coloco todo mês no Elevador
Lacerda, a tarifa não seria quinze centavos. O plano da Liberdade, também, eu
subsidio. Tem muita coisa subsidiada na cidade, daí pergunto: por que não
subsidiar o metrô? Todos os metrôs do mundo são subsidiados, até os que são
operados pela iniciativa privada. São subsidiados porque o preço da tarifa não
repõe os custos de operação de um metrô. O próprio metrô da Paralela, na
licitação que foi colocada, também prevê subsídio governamental.
Tribuna - Prefeito, quem vai sentar nessa cadeira no dia primeiro
de janeiro de 2013? Tem uma bola aqui...
João Henrique - Mas é uma bola da Copa do Mundo, não é de
cristal não. Parece cristal, mas é bola de Copa do Mundo. Paulo, é muito difícil
prever. Realmente, essa eleição, em Salvador, está imprevisível. Eu vejo um
momento bom da administração pública municipal, vejo a população, sobretudo das
áreas de ocupação informal, muito satisfeita com esse tratamento, essa quebra de
paradigma que nós propiciamos na cidade, tratar a cidade toda por igual. O mesmo
investimento de iluminação pública que você vê na Avenida Suburbana, você vê na
Barra, em Ondina, na Graça, os mesmos postes azuis que você vê lá embaixo, no
subúrbio, você vê aqui em cima na Barra, a mesma ambulância do SAMU que serve lá
embaixo serve aqui, o mesmo ônibus que serve lá, serve aqui. Coisa que,
historicamente, em Salvador, não era assim.
Tribuna - Voltando no tempo, há uma nova forma de fazer
política?
João Henrique - Eu fui vereador dessa cidade muito anos,
fui deputado estadual eleito por Salvador outros tantos anos e o que a gente via
era isso, equipamento público que não servia mais nos bairros nobres era mandado
para servir lá na cidade baixa, o ônibus que não servia mais aqui na cidade alta
era encaminhado para servir no subúrbio. Isso ninguém apaga, está na história.
Tudo que não servia na cidade alta era mandado para servir na cidade baixa. Essa
quebra de paradigma levantou a autoestima da população carente da cidade.
Tribuna - Como andam as conversas do senhor com eventuais aliados?
João Henrique: Nós temos um candidato que é João Leão, do meu partido, o
PP. Eu não me vejo, no momento, em condições de conversar com nenhum outro
candidato, na medida em que o nosso partido tem candidato.
Tribuna - Concluindo, prefeito, e 2014. O que o senhor tem como
objetivo?
João Henrique - O governo do Estado com muita determinação
e firmeza. Tem coisas na vida que são naturais, que você não precisa forçar a
barra e tem coisas na vida que você sente que é forçação de barra e essas,
geralmente não dão certo. Já as coisas naturais, todo o universo acaba
conspirando e empurrando-as. Eu estou sentindo que é uma coisa natural, ter
passado oito anos na prefeitura de Salvador nos deu a experiência, o
conhecimento, a maturidade para enfrentar problemas estaduais.
Tribuna - Aprendeu na vida...
João Henrique - É na adversidade que o ser humano cresce, todos sabemos
disso. Eu acho que esses oito anos deram para tirar o cascalho, a sujeira do
diamante. As adversidades nos ensinaram muito mesmo. Hoje, faria muita coisa
diferente, nada substitui a experiência.
Tribuna - Qual seria a grande bandeira que o senhor haveria de
empunhar, candidato ao governo da Bahia?
João Henrique - São muitas, mas para não perder a tradição
da família, uma, é tratar muito bem o funcionalismo público. Isso é para manter
a tradição da família e por uma questão de reconhecimento e de justiça, também,
ao funcionalismo como um todo, não é? Desde policiais, médicos, professores,
funcionários em geral. Seria uma questão de manter o nome do meu pai, tudo que
meu pai fez o filho não pode decepcionar e eu gosto do servidor público. Eu acho
que o servidor público de carreira precisa ser mais prestigiado, mais
reconhecido. E outras bandeiras, eu vejo, por exemplo, essa questão da seca
quando tudo que meu pai fez aqueles milhares de poços, na época à SERB, as
barragens em São José do Jacuípe, que, até hoje, a região do sisal é muito
agradecida a João Durval, pela barragem de São José do Jacuípe, pela barragem de
Pedra do Cavalo, a região do recôncavo é muito reconhecida a João Durval. Enfim,
eu acho que são muitas bandeiras, mas, sobretudo interiorizar o
desenvolvimento.
Tribuna: Que lição a Prefeitura vai lhe deixar em relação a quem
vive distante da capital?
João Henrique: Como prefeito de Salvador, uma coisa que me
chocou muito e continua me chocando, - o mandato ainda está em curso, ainda
temos alguns meses, - é o fato de as pessoas, assim como minha família virem
para a capital por não terem opções de desenvolvimento, de emprego, não terem
ofertas de saúde de média e alta complexidade no interior. Têm que vir buscar na
capital. Quantas horas uma pessoa passa em uma ambulância nessas estradas onde
muitas delas não são estradas boas, ainda? Não são nem asfaltadas e, muitas das
vezes, a capital é a salvação. Quantas pessoas, imagine, 12 milhões de baianos,
a se voltar para Salvador em busca de um socorro nos casos mais graves porque
toda média e alta complexidade na saúde está praticamente concentrada em
Salvador. Alguma coisa em Vitória da Conquista, em Ilhéus, Feira de Santana, mas
o grosso mesmo, da média e alta complexidade da saúde pública é ofertada na
capital. Imagine os pais que têm que sustentar os filhos na capital porque lá no
interior não tem determinados cursos universitários ou determinados cursos de
formação média, especializados. Têm que mandar os filhos para a capital e
sustentá-los na capital e separá-los da família.
Tribuna: Na sua visão, o futuro da Bahia está no
interior?
João Henrique: Precisamos muito interiorizar o
desenvolvimento, levar desenvolvimento, saúde pública, cursos médios e técnicos
e universitários para o interior da Bahia, levar bons empregos, indústrias e
fábricas de ponta, ou seja, você tem que desconcentrar o atendimento à população
da Bahia. Salvador não pode continuar, e eu ouvi muito esses oito anos, aqui,
sendo, praticamente, um minigoverno do Estado. Na medida em que você não acha na
sua cidade natal o que você precisa, o caminho é em direção a Salvador e isso
vem propiciando essa superpopulação da cidade, comprometendo a qualidade de vida
de todos que aqui estão e que para cá vieram. Todos nós baianos, de maneira
geral, acabamos povoando nossa querida capital. Eu acho que, é bom para todos
que a Bahia tivesse seu desenvolvimento, geograficamente, mais bem distribuído.
Esse é um problema histórico, não podemos culpar o atual govenador por isso, mas
é algo que precisa ser imediatamente combatido com políticas públicas de
desconcentração do desenvolvimento do crescimento econômico do Estado da Bahia.
É crônico, mas precisa ser imediatamente enfrentado. E sentado aqui na cadeira
de prefeito de Salvador, eu tive essa visão panorâmica que poucos tiveram a
oportunidade de ter. Eu senti, aqui, o drama do interior da Bahia, os problemas
do interior da Bahia, as ausências de certos serviços públicos no interior da
Bahia. Esses oito anos foram uma espécie de pós-graduação.
Colaborou: João Arthur Matos
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