A Baixa do Fiscal - região que segundo o IBGE pertence ao bairro Calçada - é a localidade mais violenta de Salvador. Lá foram registrados oito dos dez homicídios da Calçada
Juan Torres e Rafael Rodrigues - Jornal Correio da
Bahia
Lojas de ferragens, de som automotivo, de peças de carro
usadas, alguns ferros velhos, galpões acumulando carcaças e estratégicas portas
por onde se vende cerveja. Atrás de tudo isso, 5.024 habitantes. Apinhados em
casas de reboco exposto, em ruas sem calçamento, iluminação, saneamento...
Lazer? Não há praças ou campinhos, nem mesmo os de barro.
A Baixa do Fiscal - região que segundo o IBGE pertence ao
bairro Calçada - é a localidade mais violenta de Salvador. Lá foram registrados
oito dos dez homicídios da Calçada. Se considerarmos a população de todo o
bairro, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes ao ano (referência utilizada
pela ONU para medir a violência) chega a exorbitantes 526 – a média em toda a
capital baiana é de 65.
No segundo dia da série sobre as 1000 mortes em 2012 em
Salvador e Região Metropolitana (RMS), o CORREIO mostra o mapa dos homicídios da
capital, bairro a bairro, com base nos dados divulgados pela Secretaria da
Segurança Pública (SSP) cruzados com informações do IBGE.
No mapa, fica clara a diferença entre as taxas de homicídios
mais baixas nos bairros nobres, em contraponto a uma alta violência na periferia
e no Subúrbio Ferroviário, onde fica a Baixa do Fiscal.
“Em muitos lugares, você não tem cara de bairro, não tem uma
padaria, uma praça, uma farmácia, isso mexe com a estima das pessoas. Às vezes
eu chego em alguns locais e me pergunto: ‘o que essas pessoas fazem no fim de
semana?’. Muitas vezes o que sobra é o caminho das drogas”, analisa a delegada
Francineide Oliveira, coordenadora do Departamento de Homicídios e Proteção à
Pessoa (DHPP).
“É onde temos a maior densidade populacional em condições
precárias. Além da segurança pública, quais são os outros itens que estão
pendentes na vida dessas pessoas? Não tem nada. Não tem iluminação, não tem
saneamento, nada”, completou o secretário da Segurança Pública, Maurício
Barbosa.
A faxineira Raimunda Nascimento, 32, sabe o que isso
significa. “Criar filho pequeno aqui é duro. Eu ensino a não andar com quem faz
coisa errada e ele, graças a Deus, me obedece, mas ele cresceu vendo defunto na
porta de casa”, afirma.
Maior aumento
A 2,5 km dali, o Lobato registrou o maior aumento no número de vítimas da violência. Pulou de 11 homicídios na mesma quantidade de dias de 2011 para 22 mortes violentas neste ano, um aumento de 100% com relação ao ano passado.
O motivo da escalada, segundo a delegada Laura Argolo, da
DHPP, foi a briga entre gangues rivais que disputam o comando do tráfico de
drogas na região. “Em março, houve uma invasão de território que era do
traficante Cabelinho e houve nove mortes. De lá para cá, esse índice caiu”, diz.
Mais 4,5 km, chegamos à Liberdade, onde a situação é
semelhante. O delegado responsável pela área na Delegacia de Homicídios – que
optou por não identificar seu nome – relacionou a morte de sete pessoas entre
abril e maio à disputa pelo ponto de venda de drogas que era comandado pelo
traficante Bruno Ramos Figueiredo, o Bruxo, preso no dia 19 de abril. Segundo
ele, boa parte dos traficantes do Nordeste de Amaralina se instalou na região.
“Quem atuava lá e teve de sair depois das Bases Comunitárias encontrou abrigo na
Cidade Nova, na Liberdade”, afirmou.
Como resposta aos altos índices de violência no Subúrbio
Ferroviário, o secretário Maurício Barbosa apontou a inauguração da Base
Comunitária de Segurança de Fazenda Coutos e a construção de outras duas em Rio
Sena e Uruguai, e uma nova delegacia em Plataforma.
Ilhas de paz
Cercados por áreas com alto índice de homicídios, bairros como o Cabula e o Imbuí não registraram nenhum homicídio em 2012. A estrutura urbana organizada em condomínios de classe média ajudou o trabalho de repressão, segundo analisa a delegada Francineide.
“O trabalho da polícia é diferenciado, porque a viatura
transita tranquilamente nas ruas. Na Engomadeira (vizinho ao Cabula) o acesso é
prejudicado, há muitos becos onde carros não entram, as casas são construídas de
forma mais improvisada”, descreve.
Secretário: critério econômico influencia
policiamento
Quase que em proporção inversa ao índice de homicídios, se distribuem os policiais que atuam na capital baiana. A região mais nobre da capital, que compreende os bairros da Graça, Barra e Corredor da Vitória, possui 40.997 habitantes. Para a segurança desta parcela da população, há uma Delegacia Territorial, a 14ª, e uma companhia da Polícia Militar. Lá, houve neste ano três homicídios.
Por outro lado 374.013 moradores de 22 bairros em uma região –
que tem em seus extremos os bairros do Pernambués, Calabetão, CAB e Mata Escura
– também têm direito a uma única delegacia, a 11ª DT. Nesta região morreram 79
pessoas este ano.
Em outra região crítica da cidade, que compreende nove bairros
entre o Sâo Caetano e a Fazenda Grande do Retiro, há apenas uma delegacia (a
4ªDT) e uma companhia da PM para 216.260 habitantes. Nestes bairros, 51 pessoas
foram vítimas fatais da violência.
O jornal CORREIO solicitou o número de policiais por Área
Integrada de Segurança Pública (Aisp) à Secretaria da Segurança Pública, mas a
informação não foi divulgada, sob o argumento de que seria estratégica.
O secretário Maurício Barbosa reconhece a diferença no
tratamento dos bairros da capital. “Uma coisa é você pensar segurança pública na
teoria, outra é a prática. Nós não temos como fator de influência para a questão
de lotação policial somente a questão populacional. Temos outras áreas de
interesse. Quais são? Econômica, turística, bancária, comercial, e por aí vai”,
afirmou.
O secretário relembrou a repercussão da onda de arrombamentos
na Barra, noticiada pelo jornal CORREIO no dia 18 de abril, e do tiroteio ao
meio-dia após uma tentativa de sequestro na avenida Manoel Dias da Silva, no dia
11 deste mês, que acabou com a morte de um dos criminosos.
“A Barra tem mais policial por habitante do que o Subúrbio.
Mas deixe de ter um policial na Barra para ver quais são os efeitos negativos
com relação à imagem da cidade, a imagem do Estado, a imagem de um setor que
traz dividendos ao estado, que é o turismo.
Tire um policial da Pituba, que tem uma extensa área na Manoel
Dias da Silva, que é área bancária. Aconteceu um assalto a banco no meio da
Pituba. Qual a repercussão disso aí? Não estamos lidando apenas com critérios
objetivos. A gente tem que parar de levar a discussão para a questão matemática,
temos que entender as nuances”, concluiu.
O secretário reiterou, entretanto, que a maioria dos 1.851
policiais que se formaram neste ano foi incorporada a companhias de bairros
periféricos da capital e Região Metropolitana. “A preocupação nossa com a
questão dos homicídios está estampada na política que estamos adotando”,
salientou.
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terça-feira, 22 de maio de 2012
Mapa deixa clara a concentração de homicídios em bairros pobres
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