segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Salvador completa um ano sem barracas

Lágrimas, entulho e prejuízo. Há um ano, era iniciado em Salvador o processo final de demolição das pouco mais de 350 barracas de praia que restavam na orla da cidade. Esta semana, a capital baiana completa exatos 365 dias sem as tradicionais estruturas. Iniciada no dia 23 de agosto do ano passado e finalizada três dias depois, a ação que resultou no fim das barracas ainda está gravada na mente da população.

Entre as cenas marcantes, destacam-se a de um barraqueiro ateando fogo no que havia restado de seu local de trabalho na praia de Ondina, assim como a ação dos tratores, que, impassíveis a apelos e protestos, colocaram ao chão tudo aquilo que encontravam pela frente.

Hoje, muitas pessoas que trabalhavam na orla sequer vão à praia para evitar lembranças desagradáveis. “A barraca era de meu pai. E ele não quer mais vir aqui. Fala que dá desgosto em ver que ela não existe mais”, disse Raimundo de Melo Leal, 43 anos, 22 deles vivendo da praia.

Outras relutam em deixar a orla. Sem barracas, dezenas de antigos permissionários passaram a ocupar as praias com estruturas improvisadas. Pequenas bancadas com isopores, freezers e aparelhos de som tornaram-se comuns em locais como Piatã. As mesas, sombreiros e cadeiras, que antes existiam aos milhares, se reduziram a algumas centenas.

O número de pessoas que tiravam o sustento diretamente da praia também caiu drasticamente. Se antes, mais de 3000 pessoas trabalhavam como garçons e cozinheiros, hoje esse número não passa de 500. A quantidade de ambulantes também foi reduzida. Tudo em resposta à queda no índice de banhistas que atualmente frequentam as praias soteropolitanas.

“Hoje não temos garantia de renda. O movimento nas praias caiu. Somente os clientes antigos aparecem. Os turistas já não aparecem como antes. Não tem banheiro público, nem chuveiro. E ainda temos que gastar com gelo e aluguel de mesas e cadeiras. Estão nos tratando como cachorro sem dono. É uma grande falta de respeito”, completou Raimundo.

Segundo o barraqueiro Antonio Bartolomeu da Conceição, quem continua trabalhando na praia vive, por vezes, com menos de um salário mínimo por mês. “É difícil até comprar roupa pra minha filha de três anos. Principalmente agora no inverno. Antes, era complicado por que em época de chuva os banhistas não vêm muito a praia.

Mas ainda assim dava para tirar o nosso sustento. Hoje, nem mesmo quando o sol está forte conseguimos um bom lucro. Tem meses que conseguimos R$800, em outros passamos com somente R$250. Fora quem ficou desempregado. Das doze pessoas que trabalhavam comigo, 11 foram demitidas com a derrubada das barracas. Acabamos pagando caro por um erro que não foi nosso. E pagamos por ele até hoje”.

O vendedor de óculos de sol Marlen dos Santos, 30, também acumulou prejuízos com a derrubada das barracas. “Costumava vender 60 óculos escuros por dia. Hoje não vendo a metade disso. Está difícil trabalhar na praia assim. E se continuar desse modo, um dia todo mundo vai abandonar a orla. E aí que eu quero ver como é que vai ficar”, alertou.

Em lembrança ao aniversário da demolição das barracas de praia, uma assembleia será realizada nesta terça-feira (23) na Câmara Municipal de Salvador. O encontro deverá reunir os prefeitos da capital baiana, de Lauro de Freitas e Camaçari, além de vereadores e representantes do Governo Estadual.
O objetivo, de acordo com Allan Rebellato, presidente da Associação dos Comerciantes e Barraqueiros de Praia da Orla Marítima de Salvador (ACBPOMS), é cobrar das autoridades públicas uma solução para as barracas de praia da cidade. “Queremos uma bolsa auxílio para os barraqueiros e também a aceleração do projeto de revitalização da orla”.

Não há uma programação de manifestações. “Os barraqueiros estão tão miseráveis que sequer têm dinheiro para se reunir e organizar um protesto”, argumentou o advogado da ACBPOMS, João Maia Filho.

A determinação de demolição das barracas foi dada pelo juiz Carlos D’Ávila, da 13ª Vara da Justiça Federal. De acordo com ele, as barracas foram construídas ilegalmente porque ocupam uma faixa (areia) que pertence à União.

Em sua sentença, o juiz escreveu que a orla de Salvador está “favelizada, imunda, entupida de armações em alvenaria”, e a construção das barracas “reduziu as praias da cidade, outrora belas, no mais horrendo e bizarro trecho do litoral das capitais brasileiras”, tudo isso, “sob o beneplácito de desastrosas permissões de uso, outorgadas pelo Executivo local”.

Fonte: Portal Tribuna da Bahia On Line

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