Murilo Melo - Jornal A Tarde
“Fecha a porta. Senta aqui Nina! Senta aqui, menina, que eu tô mandando! Eu
preciso te contar um segredo”, ordena Carminha, vilã interpretada por Adriana
Esteves à empregada Nina, vivida por Débora Falabella. “Não dona Carminha, o que
é isso, estou muito bem aqui”, retruca com ar inocente. Mal sabendo a patroa que
a moça, a quem assina a carteira, é a menina Rita, filha do homem em quem ela
deu um golpe, arrancou o dinheiro da herança e internou em um lixão e agora,
anos depois, voltou com sede de vingança. Assim como aconteceu em A Favorita, Da
Cor do Pecado e Cobras & Lagartos; as tramas do autorJoão Emanuel Carneiro
continuam fascinando o público e, dessa vez, com Avenida Brasil no ar não é
diferente.
Com direção de cinema, a novela é sinônimo de novidade em texto no horário
das 21h da Globo. Ali, tudo é diferente: a luz, fotografia, direção de arte, os
figurinos, a cenografia e principalmente o ritmo acelerado do roteiro, é tudo
muito rápido (chega a ser eletrizante e o telespectador não consegue respirar).
João Emanuel acrescenta a todo momento gritaria, suspense e suspiros de
desesperos nos personagens.
Até quem não assiste novela, mas perdeu um tempinho em frente à TV, sabe
que o folhetim trata-se de um absurdo encontro de acertos que se potencializam,
resultando em uma produção impecável, a ponto de ser considerada uma raridade
memorável na dramaturgia contemporânea.
Como em um jogo de sinucas, João Emanuel Carneiro e o diretor Ricardo
Waddington, de uma tacada só, arremessaram um elenco afinado, os atores vêm
surpreendendo positivamente em diversas cenas. É o caso de José de Abreu, o
vilão Nilo, chamado nas redes sociais como ‘O homem do saco’. Ninguém esqueceu
dele interpretando outros tipos repugnantes, só para citar um: o Josivaldo, de
Senhora do destino. Ainda assim, suas aparições em Avenida Brasil são
imperdíveis e chamam a atenção. O ator consegue mesclar talento com um texto
cheio de ganchos.
Vera Holtz também não fica de fora. Quem achou já ter visto todos os papéis
interpretados pela veterana mudou de opinião. Holtz parece ir ainda mais longe.
Sua personagem, a mãe Lucinda, é misteriosa, divergente e dramática, carregando
uma pose de mulher que não teve sorte na vida. Quem fica do lado de cá na
poltrona não sabe se torce contra ou a favor dela, que faz uma estranha dupla
com Nilo. Ao mesmo tempo em que eles se opõem,se equivalem como se fosse uma
adição.
A escolha de Adriana — depois de ela ter brilhado como Amelinha, também
vilã na novela Coração de Estudante— não poderia ser mais acertada. Ela é a
verdadeira bruxa moderna, que consegue ser cômica, desclassificada e perversa ao
mesmo tempo. Se Carminha é um suco puro de maldade, Tufão é a tal da
ingenuidade, um herói sem grande espetáculo por parte de Murilo Benício, um ator
de quem o público esperava mais.
Outro destaque é Débora Falabella. A composição da personagem, da menina
que teve a vida destruída pela madrasta, parece ter surtido efeito. Faltando
quatro meses para acabar a novela, ela se mostra em seu personagem ser uma
mulher decidida no que quer: acabar com a vida de Carminha. Para tanto, se
movimenta no escuro. Se infiltra na casa da inimiga, esconde a identidade, se
torna amiga dela e acumula podres escondidos debaixo do tapete da bruxa que,
segundo ela, vai usar na hora certa. Débora se sai perfeitamente bem em cenas
que exigem dinamismo, demonstra as expressões exageradas de suspense que a trama
exige.
Mas os aplausos de pé vão para Bianca Comparato. A atriz sem dúvida é a
grande revelação da trama. Em todas as suas cenas na novela, ela sempre apareceu
muito bem. A prova disso é que nas cenas em que a moça tenta convencer Carminha
de que é Rita, engana até o público, em uma interpretação que vai além do
esperado.
Já o núcleo envolvendo Cadinho (Alexandre Borges) e suas duas
mulheres Verônica (Debora Bloch) e Noêmia (Camila Morgado) causa situações
divertidas, embora, mesmo sabendo que é novela, é lamentável apoiar que se crie
a caricatura de que homens tenham direito de ter mais de uma mulher, assim como
aconteceu em “Passione” com o bígamo Berilo (Bruno Gagliasso) e não se ver
nenhuma punição.
Para prender o público da classe C, a maioria dos personagens vive em uma
favela no Rio de Janeiro (favela do Divino), tipicamente criados para agradar o
“povão”, como a personagem Suelen (Isis Valverde) e Darkson (José Loreto). Mas
não foi apenas isso que Avenida Brasil fez. Para alavancar na proposta, a
direção musical da Globo resolveu apostar no hit angolano, de grande sucesso no
Brasil, Kuduro, no tema de abertura da novela. Entretanto, até agora não dialoga
com a proposta da trama, mas é sucesso nas redes sociais.
Exemplo disso é que assim que toca os primeiros acordes da abertura, uma
enxurrada de oi-oi-oi’s invade o Twitter. Assim como milhares de tuiteiros se
reúnem para assistir e comentar sobre a trama das nove.
Mesmo seguindo uma linha, de certo modo, popularesco; Avenida Brasil —
atualmente maior audiência da tv brasileira, com média de 42 pontos*—, não é nem
de longe uma dessas tramas com histórias didáticas, batidas em tantas folhetins.
A verdade é que a novela precisa ser costurada e bordada pelo imaginário do
público, pelo achismo, impressões, reflexões. Com isso, enfatiza-se a mania que
o ser humano tem em julgar à primeira vista, mas sem deixar de mostrar que
talvez, o achismo seja uma conclusão precipitada.
Não
convenceu
- Nina e jorginho (Cauã Reymond) guardam recordações
da época que moravam no lixão. O mais impressionante é que roupas e brinquedos
estão em perfeito estado. Coisa de novela.
- Para piorar a situação, o
jogador de futebol vive de lembranças repentinas da infância. O curioso é que
jorginho só lembra na hora certa.
- Dizem por aí que o papel de Marcelo
Novaes se mostrará mais intenso nos próximos capítulos, mas até agora nada. No
vídeo, ele aparece como mais um capanga que usa couro, moto e não diz a que
veio. Do jeito que está não pode
ficar.
Convenceu
- A interpretação de Isis
Valverde, Marcos Caruso e Heloísa Perissé. Todos carregam uma ficção que agrada
o gosto popular. Em nada ali o telespectador lembra de personagens passados. Os
papéis, inclusive, pode ser um dos mais importantes da carreira dos
atores.
- Diferente do que ocorreu em outras novelas, é de se admirar a
forma que homossexuais são descritos na trama. Passam longe da representação
tosca criada pela sociedade. Em uma das cenas, Sidney (Felipe Titto) aparece
falando sobre futebol e churrasco.
*Cada ponto de audiência equivale
a 60 mil domicílios na Grande São Paulo e são prévios, fornecidos pelo
Ibope.
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