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Entre as multinacionais do disco que andam devagar-quase-parando 
no Brasil de 2012, a Warner Music (braço fonográfico da Warner Brothers) tem 
sido a que mais quase parece parada, e há mais tempo, em especial no setor de 
preservação de memória musical. Um sopro de vida acontece graças ao quixotesco 
do jornalista e escritor carioca Marcelo Fróes, dono do selo independente 
Discobertas, que vem garimpando raridades em diversos acervos para reeditar no 
formato hoje enciclopédico de CD.
A novidade da hora é a parceria Discobertas/Warner, que começa com a 
reedição de seis títulos esquecidos, mas históricos, cada um à sua maneira, do 
catálogo da Warner. "Serão diversas reedições de material da multinacional, 
produzidas por nós, com nosso padrão gráfico, mas com distribuição da própria 
Warner", explica Marcelo. Ele denota ambição na condução do projeto: "Quero 
reeditar tudo que eu puder, tudo que for razoavelmente vendável, que nunca tenha 
saído decentemente em CD, que tenha contrato e que as editoras musicais 
permitam".
Dois dos títulos dessa primeira leva são de antes da fundação da Warner no 
Brasil. Pertenciam originalmente à gravadora nacional Continental, mais tarde 
comprada e incorporada pelo bicho-papão audiovisual norte-americano. Um deles é 
o disco de 1973 de Sérgio Ricardo, o compositor de canções de protesto que ficou 
célebre em 1967 por quebrar o violão e atirá-lo no público do festival da TV 
Record, diante de uma avalanche de vaias que recebia por seu samba "Beto Bom de 
Bola".
Excêntrico desde o título, Piri, Fred, Cassio, Franklin e Paulinho de 
Camafeu com Sérgio Ricardo tem duas arrepiantes canções extraídas do 
universo cangaceiro das trilhas sonoras que o compositor fez para filmes de 
Glauber Rocha, as áridas "Sina de Lampião" e "Antônio das Mortes". Mas a 
faixa-símbolo é a de abertura, "Calabouço", que se queixa de censura e remete ao 
apelido do restaurante onde foi assassinado o estudante Edson Luís no início da 
radicalização da ditadura, em março de 1968. A capa, com a boca do cantor 
coberta por uma tarja branca, alegoriza a hoje mítica atmosfera de medo e 
censura de 1973.
O outro título da Continental é Aqui (1975), segundo álbum de uma 
genial banda gaúcha, Almôndegas, de onde sairia para o sucesso comercial na 
década seguinte a dupla Kleiton & Kledir. É um belíssimo disco de rock com 
raízes profundamente gaúchas — algo como um manguebit às pampas, forjado noutro 
local duas décadas mais cedo.
"Aqui" brilha em rocks vazados de tradição gaúcha como "Haragana", "Velha 
Gaita" (que incorpora trechos das meigas e interioranas "Felicidade", "Prenda 
Minha" e "Pezinho") e a tocante "Gaudêncio Sete Luas". Célebre, divertida e 
precursora de chicletes pop pândegos de Kleiton & Kledir, a faixa de 
abertura, "Canção da Meia-Noite", ficou conhecida por servir de tema ao 
professor-lobisomem vivido por Ary Fontoura na novela Saramandaia 
(1976).
A Warner em si começaria a acontecer no Brasil em 1976, quando André 
Midani, o homem-forte da filial nacinoal da bem-sucedida Philips (atual 
Universal), aceitou o desafio de erguer o escritório local da múlti 
norte-americana. Com a maestria de Midani, a Warner teria papel importante na 
eclosão da geração roqueira dos anos 1980, lançando e catapultando as carreiras 
de Lulu Santos, Titãs, Ultraje a Rigor, Ira! e Kid Abelha.
Fróes elegeu ressaltar o momento anterior a esse, o da lenta consolidação 
do selo no país, inicialmente com uma abordagem pendular entre a tropicália, a 
black music nacional e o pop radiofônico dançante. Reedita Guilherme 
Arantes (1979), o segundo trabalho do artesão pop paulista na Warner. Não é 
dos títulos mais inspirados do autor de "Meu Mundo e Nada Mais", "Cuide-Se Bem" 
(1976), "Amanhã" (1977), "Planeta Água", "Deixa Chover" (1981) e "Cheia de 
Charme" (1985), mas conta com o hit radiofônico "Êxtase" ("eu não sonhava te 
amar desse jeito...").
De 1982 é Magia Tropical, de um grupo que surgiu no início da 
década de 1970 dentro da banda/comunidade hippie Novos Baianos e, descolada da 
matriz, se tornaria principal porta-voz da primeira fase da Warner Brasil, ao 
lado de Gilberto Gil, Baby Consuelo e Pepeu Gomes. Nessa fase, A Cor do Som 
cravou formidáveis sucessos baianos-cariocas-tropicalistas precursores da onda 
axé, como "Abri a Porta" (1979), "Zanzibar", "Semente do Amor' (1980), "Alto 
Astral" (1981) e "As Quatro Fases do Amor". Em "Magia Tropical" está "Menino 
Deus", composta por Caetano Veloso e imediatamente tornada uma das mais 
populares d'A Cor.
Pertence à esquina de transmutação do velho rock de influência progressiva 
dos anos 1970 para o pop-rock new wave dos 1980 o álbum "Som Mais Puro" (1983), 
do grupo setentista dito de rock rural O Terço. Mais parecido a essa altura com 
A Cor do Som ou grupos tipo clube da esquina como Boca Livre ou 14-Bis do que 
com o rock progressivo que fazia no década anterior, O Terço surge aqui 
aparentando fadiga, no exato momento em que o paradigma virava mais uma 
vez.
Leilíadas (1986), do pioneiro bossanovista acreano João Donato, 
fecha o pacote em tempo de bossa e jazz extemporâneos, daqueles que poderiam 
caber em qualquer fresta anterior, simultânea ou posterior à da aterrissagem da 
Warner em solos (sub)tropicais. Hoje, A Cor do Som anda por aí fazendo shows 
vigorosos e gozando de reconhecimento com que não contava nos anos 1970 e 1980. 
Ninguém haveria de supor, mas a Warner, ainda funcionante, é que virou saudade 
no século novo.
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