quinta-feira, 21 de junho de 2012

Coluna Palpite: Avenida Brasil é um marco na dramaturgia moderna

Murilo Melo - Jornal A Tarde

“Fecha a porta. Senta aqui Nina! Senta aqui, menina, que eu tô mandando! Eu preciso te contar um segredo”, ordena Carminha, vilã interpretada por Adriana Esteves à empregada Nina, vivida por Débora Falabella. “Não dona Carminha, o que é isso, estou muito bem aqui”, retruca com ar inocente. Mal sabendo a patroa que a moça, a quem assina a carteira, é a menina Rita, filha do homem em quem ela deu um golpe, arrancou o dinheiro da herança e internou em um lixão e agora, anos depois, voltou com sede de vingança. Assim como aconteceu em A Favorita, Da Cor do Pecado e Cobras & Lagartos; as tramas do autorJoão Emanuel Carneiro continuam fascinando o público e, dessa vez, com Avenida Brasil no ar não é diferente.

Com direção de cinema, a novela é sinônimo de novidade em texto no horário das 21h da Globo. Ali, tudo é diferente: a luz, fotografia, direção de arte, os figurinos, a cenografia e principalmente o ritmo acelerado do roteiro, é tudo muito rápido (chega a ser eletrizante e o telespectador não consegue respirar). João Emanuel acrescenta a todo momento gritaria, suspense e suspiros de desesperos nos personagens.

Até quem não assiste novela, mas perdeu um tempinho em frente à TV, sabe que o folhetim trata-se de um absurdo encontro de acertos que se potencializam, resultando em uma produção impecável, a ponto de ser considerada uma raridade memorável na dramaturgia contemporânea.

Como em um jogo de sinucas, João Emanuel Carneiro e o diretor Ricardo Waddington, de uma tacada só, arremessaram um elenco afinado, os atores vêm surpreendendo positivamente em diversas cenas. É o caso de José de Abreu, o vilão Nilo, chamado nas redes sociais como ‘O homem do saco’. Ninguém esqueceu dele interpretando outros tipos repugnantes, só para citar um: o Josivaldo, de Senhora do destino. Ainda assim, suas aparições em Avenida Brasil são imperdíveis e chamam a atenção. O ator consegue mesclar talento com um texto cheio de ganchos.

Vera Holtz também não fica de fora. Quem achou já ter visto todos os papéis interpretados pela veterana mudou de opinião. Holtz parece ir ainda mais longe. Sua personagem, a mãe Lucinda, é misteriosa, divergente e dramática, carregando uma pose de mulher que não teve sorte na vida. Quem fica do lado de cá na poltrona não sabe se torce contra ou a favor dela, que faz uma estranha dupla com Nilo. Ao mesmo tempo em que eles se opõem,se equivalem como se fosse uma adição.

A escolha de Adriana — depois de ela ter brilhado como Amelinha, também vilã na novela Coração de Estudante— não poderia ser mais acertada. Ela é a verdadeira bruxa moderna, que consegue ser cômica, desclassificada e perversa ao mesmo tempo. Se Carminha é um suco puro de maldade, Tufão é a tal da ingenuidade, um herói sem grande espetáculo por parte de Murilo Benício, um ator de quem o público esperava mais.

Outro destaque é Débora Falabella. A composição da personagem, da menina que teve a vida destruída pela madrasta, parece ter surtido efeito. Faltando quatro meses para acabar a novela, ela se mostra em seu personagem ser uma mulher decidida no que quer: acabar com a vida de Carminha. Para tanto, se movimenta no escuro. Se infiltra na casa da inimiga, esconde a identidade, se torna amiga dela e acumula podres escondidos debaixo do tapete da bruxa que, segundo ela, vai usar na hora certa. Débora se sai perfeitamente bem em cenas que exigem dinamismo, demonstra as expressões exageradas de suspense que a trama exige.

Mas os aplausos de pé vão para Bianca Comparato. A atriz sem dúvida é a grande revelação da trama. Em todas as suas cenas na novela, ela sempre apareceu muito bem. A prova disso é que nas cenas em que a moça tenta convencer Carminha de que é Rita, engana até o público, em uma interpretação que vai além do esperado.

Já o núcleo envolvendo Cadinho (Alexandre Borges) e suas duas mulheres Verônica (Debora Bloch) e Noêmia (Camila Morgado) causa situações divertidas, embora, mesmo sabendo que é novela, é lamentável apoiar que se crie a caricatura de que homens tenham direito de ter mais de uma mulher, assim como aconteceu em “Passione” com o bígamo Berilo (Bruno Gagliasso) e não se ver nenhuma punição.

Para prender o público da classe C, a maioria dos personagens vive em uma favela no Rio de Janeiro (favela do Divino), tipicamente criados para agradar o “povão”, como a personagem Suelen (Isis Valverde) e Darkson (José Loreto). Mas não foi apenas isso que Avenida Brasil fez. Para alavancar na proposta, a direção musical da Globo resolveu apostar no hit angolano, de grande sucesso no Brasil, Kuduro, no tema de abertura da novela. Entretanto, até agora não dialoga com a proposta da trama, mas é sucesso nas redes sociais.

Exemplo disso é que assim que toca os primeiros acordes da abertura, uma enxurrada de oi-oi-oi’s invade o Twitter. Assim como milhares de tuiteiros se reúnem para assistir e comentar sobre a trama das nove.

Mesmo seguindo uma linha, de certo modo, popularesco; Avenida Brasil — atualmente maior audiência da tv brasileira, com média de 42 pontos*—, não é nem de longe uma dessas tramas com histórias didáticas, batidas em tantas folhetins. A verdade é que a novela precisa ser costurada e bordada pelo imaginário do público, pelo achismo, impressões, reflexões. Com isso, enfatiza-se a mania que o ser humano tem em julgar à primeira vista, mas sem deixar de mostrar que talvez, o achismo seja uma conclusão precipitada.

Não convenceu

- Nina e jorginho (Cauã Reymond) guardam recordações da época que moravam no lixão. O mais impressionante é que roupas e brinquedos estão em perfeito estado. Coisa de novela.

- Para piorar a situação, o jogador de futebol vive de lembranças repentinas da infância. O curioso é que jorginho só lembra na hora certa.

- Dizem por aí que o papel de Marcelo Novaes se mostrará mais intenso nos próximos capítulos, mas até agora nada. No vídeo, ele aparece como mais um capanga que usa couro, moto e não diz a que veio. Do jeito que está não pode ficar.

Convenceu

- A interpretação de Isis Valverde, Marcos Caruso e Heloísa Perissé. Todos carregam uma ficção que agrada o gosto popular. Em nada ali o telespectador lembra de personagens passados. Os papéis, inclusive, pode ser um dos mais importantes da carreira dos atores.

- Diferente do que ocorreu em outras novelas, é de se admirar a forma que homossexuais são descritos na trama. Passam longe da representação tosca criada pela sociedade. Em uma das cenas, Sidney (Felipe Titto) aparece falando sobre futebol e churrasco.

*Cada ponto de audiência equivale a 60 mil domicílios na Grande São Paulo e são prévios, fornecidos pelo Ibope.

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