quinta-feira, 14 de junho de 2012

Festival In-Edit traz histórias da África e da canção brasileira

Eron Rezende - Jornal A Tarde
Verdade – a palavra vem à boca dezenas de vezes, como se só ela pudesse delinear o rosto da mulher. "Eu não canto política, apenas verdade", diz a própria, divulgando crença e defesa. Porque é isso que Mama África, documentário que biografa a cantora sul-africana Miriam Makeba, tem a indicar: ali, posicionada entre o ativismo e a canção, está alguém que despejou seu olhar limpo sobre o mundo.
Dirigida pelo finlandês Mika Kaurismäki, a fita é a escolhida para abrir a edição baiana do In-Edit - Festival Internacional de Documentário Musical, que acontece desta quinta, 14, até 21 de junho, no Cinema do Museu. É também uma referência a alcunha (Mãe da África) conquistada por Makeba.
"Ela foi o que durante muitos anos tiveram os sul-africanos em lugar da liberdade", diz Kaurismäki. "Era a voz da África negra. Uma voz cheia de ritmo que, levando dança e diversão, clamava os direitos humanos".
Equilibrando-se entre a verve política de Makeba e sua jinga musical, o documentário repassa, através de imagens de arquivo e depoimentos de músicos e amigos, a trajetória da cantora: seu testemunho no Comitê das Nações Unidas contra o Apartheid, em 1963, que lhe valeu o exílio por 31 anos; o sucesso mundial alcançado pela canção "Pata Pata"; a perseguição nos Estados Unidos, decorrente do envolvimento com um dos líderes do movimento Panteras Negras; sua morte, em 2008, após participar de um show contra a violência na Itália.
O filme recupera também apresentações que atestam a desenvoltura com que Makeba passeou pela música do mundo. Em algumas delas, executa "Chove Chuva" e "Mas que nada", de Jorge Ben Jor, em português fluído.
"Ela não gostava do rótulo world music que recebeu. Dizia: 'toda música vem do mundo, assim toda música é ‘world music'”, lembra Kaurismäki, ele próprio um excursionista por sons estrangeiros. Radicado no Brasil há 20 anos (há seis em Salvador), já filmou Moro no Brasil e Brasileirinho, documentários que investigam a diversidade de ritmos do país.
"Abrir o In-Edit com Mama África foi uma decisão que veio da comunhão de fatores: o documentário é brilhante, o diretor mora em Salvador e a cidade tem uma ligação estreita com a África", diz Marcelo Andrade, responsável por trazer o festival criado em Barcelona para o Brasil, onde é realizado em São Paulo desde 2008 (o deste ano aconteceu de 1° a 10 de junho) e em Salvador chega a seu segundo ano.
Força - Na bagagem desta edição do evento, outras produções debruçam-se sobre a música produzida no continente africano. Sudão e Marrocos, ambos do diretor espanhol Fermín Muguruza, revelam a cena em países de maioria mulçumana. Tambores, do brasileiro Sérgio Raposo, extrai do batuque a ligação entre Moçambique, Zâmbia e Brasil.
Há ainda Benda Bilili!, exibido com louvor no festival de Cannes em 2010 e dirigido pelos franceses Renaud Barret e Florent de la Tullaye, que foca um grupo de músicos sem-teto e deficientes físicos (vítimas de poliomielite) da cidade de Kinshasa, no Congo. Locomovendo-se em cadeiras de rodas improvisadas, os integrantes do Staff Benda Bilili sacam groove de violões, latas e garrafas. Segundo contou De la Tullaye na edição paulistana do festival, a filosofia vital dos componentes do grupo é “escapar da mendicância, não desanimar, ser forte".
"Foi uma coincidência termos essa ligação temática. Mas a curadoria nunca é feita por tema. O que importa mesmo é a música e o cinema”, diz Marcelo, ressaltando a presença de outros nomes fortes no programa do festival, como Martin Scorsese, que dirige George Harrison: Living in the Material World, e Ozzy Osbourne, retratado em God Bless Ozzy.
Rifa - O interesse pela música brasileira, no entanto, que une realizadores e público e marca o In-Edit BR, desdobra-se em outras boas obras, como Jorge Mautner - O Filho do Holocausto, de Pedro Bial e Heitor D´Alincourt, e Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista, de Riba de Castro. Esse último, escolhido para abrir o evento em SP, revive o rock paulistano dos anos 1980 através de um teatro-porão no bairro de Pinheiros – bandas como Titãs e Ultraje a Rigor iniciaram suas carreiras ali.
Mas o destaque entre os nacionais é Vou Rifar Meu Coração, documentário laureado com o voto do público em SP para representar o Brasil na festa de dez anos do In-Edit, em 25 de outubro, em Barcelona.
Dirigido por Ana Rieper, a obra é uma incursão na música romântica e popular, um pouco através dos seus realizadores (Waldick Soriano, Reginaldo Rossi, Agnaldo Timóteo, Wando) e muito por anônimos que levam essa música em suas vidas (personagens garimpados nos cinco mil quilômetros de viagem pelo interior de Alagoas e Sergipe).
“Quando comecei a filmar tinha uma preocupação mais formal, mais focada nas letras e nos autores. Com o tempo fui percebendo o público, que se tornou a parte mais forte de Vou Rifar”, conta Rieper, recordando os dez anos dedicados a realização do projeto. Na definição que atribui ao seu documentário, está a do próprio In-Edit. “É sobre música, sua força e capacidade tradução”.

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