Tássia Correia - Jornal A Tarde
O que fazer quando são as palavras da pessoa que seu filho julga amar e
que, a todo custo, quer proteger, que levam um adolescente de 15 anos a se
matar? Essa é a pergunta que tentam responder os familiares do jovem C. M., que
se suicidou no começo do mês passado, em Salvador, após iniciar namoro virtual
por meio de um jogo. Os pais procuraram A TARDE para relatar o caso e alertar
outras famílias sobre o risco. Este relato foi confirmado por uma fonte dentro
da Justiça baiana. Informações como a identidade dos envolvidos foram
preservadas para não prejudicar investigações policiais.
Familiares contaram que, desde a infância C. tinha dificuldade de expressar
sentimentos. Chegou a fazer análise por duas vezes. “Era um menino muito tímido,
mas depois da terapia melhorou”, lembra a mãe. Para a família, C. sempre foi
introvertido, porém carinhoso, e apaixonado por música e tecnologia. “Lembro uma
vez em que estava no computador e tudo travou. Ninguém conseguia dar jeito, mas
em menos de cinco minutos, C. resolveu e, à época, ele era uma criança”,
exclamou a avó. “Meu neto sempre gostou de computador, também aprendeu sozinho a
tocar violão e a falar inglês”, acrescenta.
Talvez por isso, quando C., no final do ano passado, começou a se retrair
ainda mais – não querer se alimentar nem ir à escola e a varar madrugadas em
frente ao computador –, os pais pensaram que se tratava de apenas uma crise da
adolescência. “Cheguei a falar em levá-lo ao psicólogo, mas ele disse que não
queria”, lamentou o pai.
Ciúmes - Por trás da nova fase, estava o início de um
namoro virtual com uma garota conhecida por meio da rede social IMVU – site que
reúne salas de bate-papo com personagens em 3D e acúmulo de créditos a serem
trocados por roupas, móveis, bebidas. Além disso, há interações que vão desde a
troca de olhares até sexo virtual. Para usufruir da realidade alternativa, basta
cadastrar e-mail, escolher idade, gênero e aparência. Foi o bastante para o jogo
cair nas graças dos mais jovens: é comum encontrar nos ambientes virtuais – que
simulam boates, praias, bares – avatares que dizem ter de 8 a 19 anos.
Um mundo atraente e fácil de dominar para C. M., conforme relata a mãe:
“Descobrimos que ele era popular no jogo, tinha salas bem movimentadas e muitos
créditos”. A situação ganhou contornos de problema quando, em novembro do ano
passado, o jovem passou a namorar um avatar feminino que afirmava ter 14 anos.
Após alguns meses de relacionamento, C. passou a ser acusado de traição por ter
conversado com outras ‘garotas virtuais’.
Desde então, a menina começou uma série de ameaças de que o namoro estava
terminado e de que ela iria se matar. Na manhã de 6 de maio, a família foi
acordada pelo grito de um tio de C. ao ver o garoto enforcado na entrada do
próprio quarto. “No dia da morte do meu filho, encontramos mensagens da garota
dizendo que ele era um traidor, que iria queimar no inferno e que ela iria tirar
a própria vida. Achamos que ele se matou por pensar que ela também havia feito o
mesmo. A última mensagem dele dizia: 'vou provar meu amor por você'”, contou a
mãe de C. Familiares ainda tentaram contato com o avatar. “Por mensagem, ela
disse que ele tinha mesmo que 'queimar', por ser um traidor. Conseguimos ligar
uma vez, mas a voz era distorcida. E ela não entrou mais no jogo”.
Para os pais, houve cyberbulling – perseguição e ataques sistemáticos por
meio de novas tecnologias. O caso está sob investigação policial como possível
incitação ao suicídio, crime que prevê pena de 2 a 6 anos de reclusão (dobrada
se a vítima tiver menos de 18 anos).
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